quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Irmã Doraci, Missionária e Mártir


Ulrico Sperb
Na terça-feira, dia 24 de fevereiro de 2004, a IECLB (Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil) foi atingida pela notícia do assassinato da Irmã Doraci Julita Edinger, em Nampula, capital da Província de Nampula, no Norte de Moçambique.
A Irmã Doraci foi encontrada morta no seu apartamento em Nampula, assassinada. A morte ocorrera dias antes, pois foram os vizinhos que deram o alerta, por causa do mau cheiro. Ficou provado que ela foi morta no sábado, dia 21 de fevereiro de 2004.
Irmã Doraci foi diaconisa da IECLB e estava em Moçambique desde 1998. Apesar de grandes dificuldades, realizou um belo trabalho, conquistando as comunidades.
Sua atuação aconteceu em aldeias da cidade de Morna, onde ajudou a edificar nove comunidades. Ela realizava estudos bíblicos, cuidava da área da saúde e da alimentação. Sob sua liderança, foram construídos quatro poços comunitários, diversas igrejas e escolas, e também foram plantados pés de caju, visando à manutenção das comunidades.
A conversão do rei
Na primeira visita que fiz à Irmã Doraci, enquanto viajávamos de Nampula para as aldeias, ela me contou o seguinte fato:
— Aqui, todas as aldeias têm um rei. Esta é uma tradição que vem de antes da colonização portuguesa. A tradução da palavra na língua deles — o macua —para o português, do líder da aldeia é rei. Os portugueses não respeitavam muito esta tradição e colocavam líderes próprios, mas os macuas continuaram com a sua tradição. Quando eu estive uma vez na aldeia de Chalaua me pediram para visitar o rei, que estava muito doente. Enquanto íamos à sua choupana me pediram:
— Irmã, o rei não é cristão. Por isso a senhora não pode rezar com ele.
— Sempre que eu faço uma visita, respondi, eu oro com a pessoa ou por ela. Nós já vamos ver o que vai acontecer.
De fato, o rei estava muito doente, deitado numa esteira no chão batido da sua choupana. Procurei na minha maleta de remédios o que poderia lhe dar. Expliquei bem à sua mulher tudo que tinha que fazer e me ajoelhei junto a ele e fiz uma oração. Quando voltei dois meses depois a Chalaua ele veio ao meu encontro, ainda fraco e apoiado em um pedaço de taquara e me disse:
— Irmã, eu quero ser batizado e fazer parte da sua Igreja.
Eu ensinei doutrina para ele, o pastor o batizou e hoje ele faz parte do nosso Conselho.
Este foi o relato da Irmã Doraci. Na ocasião conheci o rei de Chalaua.
O batismo de centenas
Em fevereiro de 2002, pessoas de uma aldeia da província vizinha — Cabo Delgado — solicitaram a presença da Irmã Doraci, cuja fama já chegara àquela região. Em algumas aldeias de lá, ela criou diversas congregações. Ajudou o povo na aquisição de instrumentos agrícolas (pás, enxadas, etc.). Ensinou o Evangelho de Jesus Cristo. Em novembro daquele ano, um pastor foi para aquelas aldeias e num fim de semana foram batizadas mais de oitocentas pessoas.
Doraci - Diaconisa e Missionária
Com a atuação de Irmã Doraci, a pequena Igreja Evangélica Luterana em Moçambique literalmente duplicou de membros, ou seja, chegou a ter mais de três mil pessoas afiliadas.
Quando estive com ela nas aldeias de Moma, pude constatar o quanto ela era amada por aquele povo simples e sofrido. Até as autoridades locais me testemunharam que a qualidade de vida havia melhorado com os serviços que ela estava prestando.
A Irmã Doraci, em 2001, compartilhou suas atividades em Moçambique num dos cultos de sábado à noite, em nossa Igreja da Reconciliação, da Paróquia Matriz em Porto Alegre. Naquela época foi realizada uma coleta e uma rifa em favor do seu trabalho (uma mulher doou uma aliança de esmeraldas e outra, um álbum artesanal). Numa das visitas que lhe fiz levei o dinheiro (convertido em dólares), para que ela o usasse na aquisição de medicamentos. Como em tudo que fazia, ela nos prestou contas dos gastos desta verba.
Todo o trabalho da Irmã Doraci era mantido pela IECLB. A Igreja Evangélica Luterana dos Estados Unidos ajudava nos projetos maiores, como a construção dos poços.
A tragédia da sua morte torna a Irmã Doraci mártir de nossa Igreja. Devido às circunstâncias locais, difíceis e perigosas, podemos dizer que ela concretizou a palavra de Jesus Cristo, em João 15.13: Ninguém tem amor maior do que este: de dar alguém a própria vida em favor dos seus amigos.
O autor é Pastor da IECLB e reside em Porto Alegre/RS

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